APELAÇÃO CÍVEL Nº 24080050610
D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A
Trata-se de apelação cível interposta pelo ESTADO DO ESPÍRITO SANTO pleiteando reforma da sentença (fls. 116⁄119), proferida pela Primeira Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, que concedeu a segurança para determinar o prosseguimento do apelado THIAGO COSTA FERREIRA nas demais fases do concurso.
Sustenta o apelante, em suas razões, às fls. 128⁄140, preliminares de decadência do prazo de 120 dias para impetrar o writ; inexistência de prova pré-constituída; e, por último, ausência de citação dos litisconsortes passivos.
No mérito, alega ser legal o critério de altura mínima utilizado no edital, vez que previsto na legislação federal e estadual, frisando, ainda, que não há prova de ter o recorrido a altura mínima necessária.
Nas contrarrazões, às fls. 143⁄156, o apelado impugnou especificadamente cada um dos fundamentos apresentados pelo apelante, requerendo que seja a sentença mantida em seu todo.
O Ministério Público, às fls. 163⁄170, opina pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
Fundamento e decido.
De início, rejeito a preliminar suscitada nas contrarrazões de inépcia da apelação, eis que, ao contrário do alegado, o recurso preenche todos os requisitos dispostos no art. 514 do CPC, além do mais, não vislumbro a alegada desconexão da sentença com as razões recusais, estando, portanto preservado o princípio da dialeticidade.
Assim, presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso voluntário, bem como, de ofício, do reexame necessário, a teor do parágrafo único, do art. 12, da lei de Mandado de Segurança vigente à época da prolação da sentença.
Antes de analisar o mérito deste writ, entendo necessário o enfrentamento das preliminares arguidas pelas partes.
No concernente à preliminar de decadência da ação, sustenta o apelante o decurso de prazo superior aos 120 dias entre a data da publicação do seu edital (13⁄08⁄2007) e o ajuizamento deste mandamus (28⁄01⁄2008).
No caso em apreço, entendo ser descabido adotar a data de publicação do edital como marco para contagem do lapso temporal, pois a legalidade que ora se pretende reconhecer refere-se a posterior ato da Administração Pública que negou a continuação do candidato no processo seletivo para Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar do Espírito Santo.
Logo, torna-se patente que a mera publicação do texto editalício não gerou nenhum tipo de lesão de direito ao apelado, pois foi apenas com a sua eliminação que o ato impugnado se materializou e a contagem do prazo, consequentemente, iniciou-se.
Há que ser registrado, também, a falta de interesse de agir à época da publicação do edital, tendo em vista a convicção do recorrido de ser portador da altura mínima exigida, o que não caracterizaria, à época, a necessidade da tutela jurisdicional, ex vi do documento de fls. 34.
Ressalto que entre o ato tido como supostamente abusivo (10⁄01⁄2008, comprovado por fls. 33) e a impetração da presente ação transcorreram apenas 18 (dezoito) dias, não havendo que se falar em decurso do prazo decadencial.
Corrobora-se esse entendimento com o atual posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL.EXAME PSICOTÉCNICO. CIÊNCIA DO RESULTADO.
O prazo previsto no art. 18, referente à decadência do direito de impetrar o mandado de segurança, inicia-se a partir da data da ciência do resultado do exame, e não da publicação do edital.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1052083⁄BA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJ 01⁄06⁄2009)
Assim, por restar constatado que o ato público que ensejou a lesão do direito do requerente é posterior a publicação do edital, REJEITO a preliminar de decadência da ação.
Já no que tange à preliminar de ausência de citação dos litisconsortes passivos, friso que, por ter a fase seletiva ora analisada caráter eliminatório, a procedência do pedido não interferirá na esfera jurídica dos demais candidatos, logo não havendo que se suscitar o prejuízo no tocante a comunhão de interesse.
Portanto, inexistindo comunhão de interesses a ocasionar prejuízo ao objeto processual, não há que se falar na exigência de chamamento de outro integrante na relação judicial.
A respeito, vale conferir o entendimento do STJ sobre o tema, in verbis:
¿PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PARA DETERMINAR A RESERVA DE VAGA ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA LIDE. POSSIBILIDADE. ART. 2º-B DA LEI 9.494⁄97. APLICAÇÃO RESTRITIVA. PRECEDENTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NÃO-CONFIGURAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE COMUNHÃO DE INTERESSES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, não havendo entre o recorrente e os demais candidatos inscritos no certame comunhão de interesses, mostra-se desnecessária a citação destes para integrarem a lide como litisconsortes passivos.
2. Hipótese em que o exame psicológico que a recorrida busca anular tinha caráter apenas eliminatório, de sorte que a procedência do pedido não interferirá diretamente na esfera jurídica dos demais candidatos aprovados no certame e convocados para o curso de formação.¿
(STJ - REsp. nº 764.629⁄PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, , 5ª Turma, DJ 6⁄8⁄2007, p. 635)
Sendo assim, REJEITO a preliminar de ausência de citação dos demais litisconsortes.
No que diz respeito à preliminar de inadequação da via eleita, também não merece ser acolhida.
Sustenta o recorrente ser o mandado de segurança um meio impróprio para o julgamento do caso em questão, haja vista a necessidade de dilação probatória, afim de sanar a divergência quanto a altura do recorrido, prova esta que, pela celeridade e certeza deste rito, não seria possível.
Contudo, o cerne da questão cinge-se ao exame da legalidade da norma que institui a altura mínima do candidato, e não ao que tange a verdadeira estatura do mesmo. Logo, por não ser necessário a produção de provas quanto a altura do candidato, REJEITO a preliminar arguida.
No mérito, a questão central, portanto, resume-se ao exame da legalidade do ato administrativo que estatuiu como requisito um mínimo de altura aos candidatos do certame.
O art. 42 da C.F. prevê as normas constitucionais aplicadas aos militares das Forças Armadas que também são cabíveis aos militares dos Estados. Entre tais dispositivos está o art. 142, § 3º, inciso X que aduz:
Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.
Art. 142. §3, inciso X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.
Numa leitura sistémica deste corpo normativo depreende-se que caberá a legislação estadual regular as situações especiais de ingressos dos militares.
Atualmente, no Estado do Espírito Santo o serviço militar é regido pela lei 3.196⁄78 que em seus artigos 9º e 10º, disciplinam o ingresso na corporação, que se sucede da seguinte maneira:
Art. 9º - O ingresso na Polícia Militar é facultado a todos os brasileiros, sem distinção de raça ou crença religiosa, mediante incorporação, matrícula ou nomeação e observados as condições prescritas em lei e regulamentos da Corporação.
Art. 10 - Para a matrícula nos estabelecimentos de ensino policial militar destinados à formação de oficiais e graduados, além das condições relativas à nacionalidade, idade, aptidão intelectual, capacidade física e idoneidade moral é necessário que o candidato não exerça nem tenha exercido atividades prejudiciais ou perigosas à Segurança Nacional.
Parágrafo único - O disposto neste artigo e no anterior aplica-se, também, aos candidatos ao ingresso nos Quadros de Oficiais em que é exigido o diploma de estabelecimento de ensino superior reconhecido pelo Governo Federal.
Todavia, como perceptível na leitura do corpo normativo, não há menção expressa quanto a um requisito mínimo de estatura para ingresso na corporação, apenas existindo menções abstratas no tocante a exigibilidade de capacidade física.
Comprova-se os argumentos expostos, por meio de reiterados pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal:
CONCURSO PÚBLICO - ALTURA MÍNIMA - INEXISTÊNCIA DE LEI. Longe fica de vulnerar a Constituição Federal pronunciamento no sentido da inexigibilidade de altura mínima para habilitação em concurso público quando esta for prevista estritamente no edital, e não em lei em sentido formal e material. [...] (AI 598715 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJ 09-05-2008)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ALTURA MÍNIMA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. 1. Somente lei formal pode impor condições para o preenchimento de cargos, empregos ou funções públicas. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 627586 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, DJ 19-12-2007)
E ainda: RE 509296 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJ 05-10-2007; AI 534560 AgR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, DJ 25-08-2006; AI 558790 AgR, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Primeira Turma, DJ 20-04-2006; RE 400754 AgR, Rel. Min. EROS GRAU, Primeira Turma, DJ 04-11-2005; AI 518863 AgR, Rel. Min. EROS GRAU, Primeira Turma, DJ 11-11-2005.
Mediante tais fundamentos, com base na jurisprudência dominante do STF e STJ, nos termos do art. 557, caput, do CPC, NEGO PROVIMENTO ao recurso e, por conseguinte, mantenho inalterada a sentença.
Intimem-se por publicação desta na íntegra.
Vitória, 16 de outubro de 2009.
DES. NEY BATISTA COUTINHO
R E L A T O R