quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

CAMINHONETE PRETA NO LOCAL DO CRIME - CASO ALEXANDRE: OS HORRORES DE UM TRIBUNAL DE EXCEÇÃO NA DEMOCRACIA

8/10/2009

Caso Alexandre: os horrores de um
tribunal de exceção na democracia


Da Redação
Foto capa: Riokan/Arquivo SD


Os bastidores da tramitação na Justiça do processo sobre o latrocínio que vitimou o juiz da Vara de Execuções Penais Alexandre Martins de Castro Filho, em março de 2003, levantam um histórico de arbitrariedades, coação de testemunhas e advogados, além de outros abusos cometidos pelo juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos. Os episódios relatados pela advogada Carla da Mata Machado Pedreira, responsável pela defesa do traficante Fernandes de Oliveira Reis, o Fernando Cabeção, confirmam o que está contido nos documentos com que os advogados Último de Carvalho e Leonardo Picoli Gagno buscam a anulação do processo e a federalização das investigações e das ações judiciais do caso.
Durante a fase de audiências, os advogados dos acusados de participação nos fatos tiveram que conviver com atitudes de intimidação do juiz Carlos Eduardo, sofrendo constantes ameaças de prisão, sem o direito de fazer a carga dos autos, além de sessões que duravam entre 14 e 16 horas – inclusive sem possibilidade de se ausentarem da sala, em função da ameaça de nomeação, pelo juiz, de uma defensora dativa para substituí-los.
Antes disso, ainda na fase de tramitação do processo, uma das inovações criadas pelo juiz Carlos Eduardo Lemos recheou de polêmicas a condução do processo. Trata-se do que ele próprio denominou de “procedimentos diversos” (espécie de AI-5 particular, para uso privativo dele). Os atos adotados com base nesse expediente de cunho ditatorial, que se choca frontalmente com normas e princípios elementares do Direito, foram utilizados na realização de grampos telefônicos e mandados de busca e apreensões em locais designados pelo magistrado.
Os tais “procedimentos diversos” não tinham qia;quer amparo ou valor no mundo jurídico – tanto que sequer o Judiciário capixaba poderia ter controle ou registrar o seu uso. Com isso, as determinações de Carlos Eduardo resultavam na coleta de elementos que recheavam seus propósitos de dar ao caso a característica de crime de mando. Já aqueles “procedimentos diversos” que não mostravam resultados em favor da tese de crime de mando – fossem buscas ou escutas sem sucesso – eram simplesmente destruídos.
Os atos típicos de um tribunal de exceção, criado por decisão do Tribunal de Justiça e que teve como como juiz investido de poderes ditatoriais Carlos duardo, se disseminaram, tornando-se um expediente adotado por conveniência no Judiciário capixaba, principalmente nas Varas de Execução Penal locais.
Conforme o relato da advogada Carla Pedreira – que preside a Associação Capixaba dos Advogados Criminalistas e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB/ES - os casos de abuso contra advogados no caso da morte do juiz começaram tão logo o latrocínio aconteceu, na manhã do dia 24 de março. Poucas horas depois do fato, os possíveis suspeitos foram identificados, e ali começaria o calvário de acusados e seus defensores legais, alvos de arbitrariedades inimagináveis num regime democrático.
Carlos Eduardo foi nomeado juiz de exceção para atuar no caso e nem mesmo sua ligação pessoal com o juiz assassinado foi capaz de colocá-lo como suspeito. Por ato do presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) à época, desembargador Alemer Ferraz Moulin, o magistrado foi designado para atuar na 4ª Vara Criminal de Vila Velha, onde o processo da morte passou a tramitar.
De acordo com as revelações da advogada Carla Pedreira, o juiz Carlos Eduardo gravou em vídeo todas as audiências do caso. Para isso, além de seus seguranças particulares, o magistrado contou com um cinegrafista particular e usava uma câmera pessoal para fazer as filmagens. O conteúdo das fitas chegou a ser anexado aos autos, em função de pedido de advogados de defesa dos acusados, mas sumiu “por falhas técnicas” (bolor ou má conservação, alegou-se na ocasião).
Há mais de um ano não se tem notícia destes anexos do processo. Eles poderiam esclarecer a situação constrangedora enfrentada pelos advogados de defesa dos acusados.
Segundo Carla, os advogados eram submetidos a longas audiências semanais - com duração entre 14 e 16 horas – sem o direito a almoço ou a interrupções de emergência. Nem mesmo ao banheiro eles podiam ir. Se algum advogado se ausentasse da sala de audiência, Carlos Eduardo ameaçava nomear uma defensora dativa. Ele tinha sempre uma à mão para fazer da ameaça um risco concreto.
A advogada relembrou que em uma das situações excepcionais aconteceu de o zíper de seu terno se romper e uma assistente ter que ir ao escritório para pegar uma outra peça de roupa. Enquanto se trocava no banheiro do fórum, Carla teve que ser chamada às pressas para impedir a nomeação da defensora, apesar dos protestos de seu cliente.
Durante a tramitação do processo – em segredo de Justiça –, os advogados de defesa dos acusados não puderam fazer a carga dos autos. A única forma de acesso aos autos era através de vistas dentro do cartório da 4ª Vara Criminal de Vila Velha.
Além do juízo de exceção, Carlos Eduardo participou da reconstituição do crime e foi até perito. Durante esses trabalhos, que duraram 19 horas, o juiz atuou até como testemunha, passando por cima de provas materiais (técnicas) para fazer prevalecer a tese de crime de mando.
Um dos episódios mais destacados da ingerência ilegal do magistrado aconteceu nas investigações da participação de uma das principais testemunhas do processo, o condutor de uma caminhonete preta que estava próxima à cena do crime e que, segundo a tese do crime do mando, o estaria sendo conduzida por Fernando Cabeção. Este estaria no local para conferir se o crime havia mesmo se concretizado.
Este fato será objeto de novas revelações da advogada em nossa próxima edição, nesta sexta-feira (9).

Nenhum comentário:

Postar um comentário