terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Para o escritor Maciel de Aguiar, Paulo Hartung é um tirano genial

Para o escritor Maciel de Aguiar, ‘Paulo Hartung é
um tirano genial’

Extraído de: Século Diário  -  25 de Outubro de 2010
Em entrevista a Século Diário nesse fim de semana, o escritor Maciel de Aguiar falou sobre seu novo livro Nós, os capixabas, que aborda a vida e a carreira de capixabas que alcançaram sucesso e reconhecimento nacional e internacional. Um dos nomes citados no livro chama a atenção não por ser notável neste sentido, mas por servir de contraponto se comparado aos demais personagens.
Militante das lutas pelas liberdades democráticas e os direitos humanos durante o regime militar no Brasil, Maciel de Aguiar também faz o contraponto com a contemporaneidade, tendo por base o projeto político atual do governo do Estado intitulado Um novo Espírito Santo.
Paulo Hartung é um tirano que subjugou os poderes constituídos, amordaçou vários intelectuais, intimidou muitas autoridades, atemorizou os adversários com o DOI-Codi Moral, criou uma ditadura civil em pleno estado democrático de direito e faz pose de anjo querubim, disparou o escritor.
Um exemplo de como o governador atual se contrapõe a importantes figuras históricas da política capixaba é a comparação com o governador Afonso Cláudio. Segundo Maciel Afonso Cláudio não aceitou se submeter às oligarquias nem fazer uso da Justiça, da Assembleia ou da imprensa, preferindo renunciar ao mandato. Paulo Hartung fez o contrário, ao primeiro aceno das transnacionais poluidoras e de parte das velhas elites usurpadoras, se apoderou do trono do Palácio Anchieta e se tornou um déspota. Fez o que Afonso Cláudio recusou, argumentou.
Além de Afonso Cláudio, Hartung serve de contraponto na obra de Aguiar a vultos históricos capixabas, como Graciano Neves, Jones dos Santos Neves, Augusto Ruschi e Orlando Bomfim Filho, entre outros. Graciano dos Santos Neves foi o primeiro presidente eleito pelo voto popular e enfrentou a fúria da conservadora elite escravocrata do norte, também renunciou ao mandato. Segundo o escritor, há uma oposição entre ele e o governador atual pela relação com a Assembleia.
O contraponto com Jones dos Santos Neves está no fato de o ex-governador ter exercido a função de interventor federal durante a ditadura de Vargas. Mas, de 1951 a 1955, fez o governo mais democrático de nossa história e, mesmo tendo enfrentado uma oposição formada por ferrenhos adversários, deputados de excelente oratória na Assembleia Legislativa. Já Paulo Hartung, segundo Maciel, fez o contrário: Meio século após, Paulo Hartung, que diz haver resistido à ditadura militar pós-1964, faz o governo mais ditatorial de nossa história. Implantou uma ditadura civil em pleno estado democrático de direito.
Leia mais: Entrevista com Maciel de Aguiar
http://www.seculodiario.com/exibir_not.asp?id=6933

extraido do site: http://www.jusbrasil.com.br/politica/6125077/para-o-escritor-maciel-de-aguiar-paulo-hartung-e-um-tirano-genial

‘Paulo Hartung é um tirano genial’

23/10/2010

‘Paulo Hartung é um tirano genial’


José Rabelo
Foto capa: Ricardo Medeiros


“Toda a escrita, querendo ou não, é política. A escrita é a continuação da política por outros meios”.
Ph. Soller
  Fotos: Ricardo Medeiros
Para o escritor Maciel de Aguiar, 58 anos, autor da série Os anos de chumbo — composta de 80 livros, escritos de 1968 a 1985 e impressos em mimeógrafo, durante o golpe militar de 1964, e, recentemente, finalista do Prêmio Jabuti —, “Paulo Hartung é um tirano que subjugou os poderes constituídos, amordaçou vários intelectuais, intimidou muitas autoridades, atemorizou os adversários com o DOI-Codi Moral, criou uma ditadura civil em pleno estado democrático de direito e faz pose de anjo querubim”.
Militante das lutas pelas liberdades democráticas e os direitos humanos durante o regime militar no Brasil, Maciel de Aguiar está lançando seu mais recente livro — Nós, os capixabas —, maturado desde a década de 1980, quando viveu no Rio de Janeiro e conviveu com inúmeros capixabas que se notabilizaram em várias áreas do conhecimento e mantiveram uma relação de amor e ódio com o Estado. Também faz o contraponto com a contemporaneidade, tendo por base “Um Novo Espírito Santo”.
Com 42 anos de intensa vida literária, Maciel de Aguiar é autor de 140 livros publicados, destacando-se a série sobre os negros do Vale do Cricaré, que conta a versão oral da escravidão — História dos quilombolas 40 volumes — e presta uma enorme contribuição para uma melhor compreensão dos quase 300 anos de escravidão no Brasil, sobretudo no norte do Espírito Santo, onde o sistema escravocrata foi um dos mais perversos, e com o mérito de resgatar inúmeros personagens “esquecidos” pela História Oficial.
Maciel de Aguiar também é autor dos livros Pelé – o rei da bola, editado em oito idiomas e vendido em dezenas de países, e Niemeyer – o gênio da arquitetura, de igual repercussão no Brasil e no exterior. Nesta entrevista ele fala de sua nova obra, que traz à luz aspectos desconhecidos da vida de vários cidadãos capixabas, e, também, faz um contraponto de cinco capixabas notáveis com o governador Paulo Hartung, a quem classifica de “a maior farsa política da história do Espírito Santo”. E diz que está escrevendo um novo livro, O imperador.
Século Diário: — Quando você achou que seria escritor?
Maciel de Aguiar: — Aos seis anos, em Conceição da Barra, no norte do Espírito Santo, onde meu pai era comerciante, proprietário do Bar Tupy, descobri que, dentre os contumazes fregueses, havia um dinamarquês, de nome Steffen Broby Pontoppidan, que usava curiosos sapatos de duas cores. Ele me contava fascinantes histórias de aventuras nas neves. Após uma viagem à Dinamarca, me trouxe de presente o livro O urso polar, escrito por seu pai, Henrik Pontoppidan. Foi a primeira vez que vi um livro, e ele exerceu uma enorme influência em minha vida. Ficava com aquele exemplar o dia inteiro e fingia que o lia para as demais crianças. Assim, no primeiro ano escolar, queria ser alfabetizado em dinamarquês. Como só meu amigo Steffen conhecia o estranho idioma, fizemos um trato: eu lhe contava histórias dos quilombolas, que ouvia do meu avô Cercinílio, e das inúmeras conversas com ex-escravos no sertão de São Mateus, e ele me ensinava o dinamarquês. Consequentemente, fui reprovado no primeiro ano de escola. Não consegui ser alfabetizado.
— E depois?
— A diretora culpou o livro e deu um ultimato: só seria matriculado se aceitasse ser alfabetizado em português. Como éramos inseparáveis, meu pai engendrou uma solução radical. Num domingo, vínhamos do Quadrado, de canoa a motor pelo rio Cricaré, quando adormeci. No porto da Barra, tive a mais dramática notícia de meus primeiros seis anos: o livro havia caído na água e desaparecido. Acho que chorei uns dez dias. Em seguida, nos mudamos para São Mateus, e, como não tinha mais o livro em dinamarquês, fui alfabetizado em português, mas não sem antes dizer que um dia escreveria um livro em dinamarquês. Acho que, por isso, resolvi ser escritor. Recentemente, recebi uma proposta de uma editora da Dinamarca para publicar o livro Pelé – o rei da bola. Acho que, cinquenta anos depois, vou ter o meu livro de volta. Senão aquele escrito pelo Prêmio Nobel, ao menos um de minha autoria. Faço questão de ir a Copenhague para o lançamento. Será o encontro do menino que queria ser alfabetizado em dinamarquês com um livro de sua autoria. Provavelmente, não ganharei o Prêmio Nobel de Literatura, mas sou o escritor brasileiro que mais chorou por perdê-lo.
— Depois você teve contato com outros livros?
— Acho que, para compensar meu sofrimento, meu pai encomendou a um funcionário da Petrobras, José Vilamário Vilela, que morava na Bahia, o livro Navio negreiro, de Castro Alves. Nas noites de bebedeira no Bar Tupy, ele declamava o célebre poema de Castro Alves de forma emocionante. Assim, fui esquecendo as histórias d’O urso polar e me interessando pela saga dos negros que enfrentaram a escravidão.
— E quando passou a escrever sobre os quilombolas?
— Morando em São Mateus, no final da década de 1950, com o Porto em decadência e os negros com inúmeras histórias de sofrimentos e lutas em busca de liberdade, passei a pesquisar e a escrever sobre as histórias que ouvia de ex-escravos como Balduíno Antônio dos Santos, Manuel Sapucaia ou de Zoroastro Valeriano Rodrigues e José Antônio Jorge, o mestre Zé de Ana, dentre outros que foram esquecidos pela historiografia oficial.
— E essas histórias foram interrompidas durante a ditadura militar?
— Em março de 1968, com a morte de Edson Luís de Lima Souto, os estudantes se mobilizaram contra a ditadura. Havia escrito o poema Saudação estudantil, e o médico Dr. Aldemar Neves mandou dizer que o poema havia sido escolhido pelo Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, para ser distribuído no Rio de Janeiro. Foi como juntar fogo e pólvora. No início da década de 1970, fui viver no Rio de Janeiro e entrei, definitivamente, na luta contra o regime ditatorial. Permeei períodos de legalidade, clandestinidade e semiclandestinidade, morando em pensões de quinta categoria, na Lapa, Catete e Gamboa. Por lá, escrevi quase em desespero. Eram canções em homenagem aos que resistiam, aos que eram presos, torturados ou mortos. Destes, muitos corpos ainda não tiveram direito à sepultura. Assim, escrevi a série Os anos de chumbo, composta de 80 pequenos livros, impressos, na época, em mimeógrafo. Vinte anos depois, recuperamos os originais e fizemos a edição de todos os livros e a tetralogia.
— Recentemente, os quatro volumes de Os anos de chumbo foram finalistas do Prêmio Jabuti, um dos mais importantes da literatura brasileira. O que foi escrito durante a ditadura militar já tem o merecido reconhecimento?
— Nem mesmo os corpos dos tidos como desaparecidos ainda não tiveram direito à sepultura e os arquivos da repressão não foram abertos, quanto mais o que foi escrito! A eternidade de duas décadas de tirania no Brasil um dia poderá despertar interesse de pesquisadores e estudiosos, mas não será para os nossos olhos. A condição de finalista do Prêmio Jabuti foi importante, porém achar que a obra será lida ou o que foi escrito contra o regime militar desperta interesse além do previsível está muito distante.
— E quando você concluiu a História dos quilombolas?
— Após a Anistia, ao voltar para São Mateus, retomei o projeto do resgate da versão oral dos negros que resistiram ao sistema escravocrata, concluído em 1995. São 40 pequenos livros. Agora, estamos fazendo a terceira edição. A série também foi condensada em dois volumes. Os treze primeiros livros formam Os últimos Zumbis, e os vinte e sete restantes compõem Brincantes & quilombolas.
— E, agora, esse novo livro, Nós, os capixabas?
— É uma obra maturada na década de 1980, ainda no Rio de Janeiro, quando convivi com muitos capixabas, famosos e nem tanto. Na época, me intrigava o fato de que quase todos tinham mágoa do Estado. Em uns, ela era exacerbada, visceral e, em outros, a insatisfação era mais sutil. Porém, quando provocados, era um poço até aqui de mágoas. Mas todos tinham muito talento e, sobretudo, devotavam ao Rio de Janeiro uma enorme afetividade. A Cidade Maravilhosa os recebia com generosidade, e eles a tinham como sua “terra do coração”.
— São crônicas?
— Sim, são crônicas biográficas. Mas os cinco primeiros personagens estão em contraponto com este “Um Novo Espírito Santo”...
— Com Paulo Hartung como personagem?
— Não, ele não é exatamente um personagem do livro pelo fato de não representar a dignidade, a ética e o caráter dos capixabas biografados. Paulo Hartung é um farsante, despótico e totalitário. Sua história de vida, comparada à de vários capixabas notáveis, serve apenas como contraponto. Neste livro ele é personagem pela ausência de valores.
— Então, quais são os personagens?
— Afonso Cláudio, Graciano Neves, Jones dos Santos Neves, Augusto Ruschi e Orlando Bomfim Filho...
— E como Paulo Hartung se contrapõe a eles?
— Afonso Cláudio de Freitas Rosa, nascido em Mangaraí, Santa Leopoldina, em 2 de agosto de 1859, no florescer da República Federativa do Brasil, foi escolhido, em 20 de novembro de 1889, para exercer o cargo de primeiro presidente do Estado, como eram chamados os governadores na época. Então escritor, poeta, historiador, professor e advogado, Afonso Cláudio era um brilhante intelectual. Mas não aceitou se submeter às oligarquias e, para não se tornar um tirano, disse que não pretendia ter à disposição a Justiça para condenar, a Assembleia para lhe beijar a mão, a imprensa para atacar os inimigos e a polícia para prender e soltar, e, assim, renunciou com 1 ano e 4 meses de mandato. Paulo Hartung fez o contrário, ao primeiro aceno das transnacionais poluidoras e de parte das velhas elites usurpadoras, se apoderou do trono do Palácio Anchieta e se tornou um déspota. Fez o que Afonso Cláudio recusou.
 — E com os demais personagens?
— Graciano dos Santos Neves, nascido na Barra de São Mateus, em 12 de junho de 1868, de tradicional família de origem judaica, contra a qual se insurgiu em função dos negócios de compra e venda de escravos, elegeu-se deputado federal aos 22 anos. Também foi professor, calígrafo e biólogo. Em 23 de maio de 1896, assumiu como primeiro presidente eleito pelo voto popular e enfrentou a fúria da conservadora elite escravocrata do Norte. Assim, com 1 ano e 4 meses de mandato, também renunciou. Certa feita, disse: “No Espírito Santo, cultua-se uma sociedade política que serve aos poderosos com olhos de cego, ouve os reclames do povo com ouvidos de surdo e tem o faro de uma velha raposa que conhece o caminho do galinheiro”. E, a cada dia, se atritava com o servilismo, a bajulação e a falta de critério com que os jornais e os detentores do poder se relacionavam. Tentou, em vão, acabar com o beija-mão palaciano e a “imprensa de conveniência”. Aborrecido com a impossibilidade de realizar as obras prometidas, em função da oposição dos conservadores, voltou a São Mateus e redigiu um “ofício”, em 22 de agosto de 1897, que só foi aceito pelo parlamento em 23 de setembro, renunciando ao cargo de presidente do Estado. A Assembleia ficou 30 dias sem saber o que fazer com o “documento”. Alguns alegavam o fato de o papel utilizado ser “para embrulho”. Conta-se, no entanto, que o mesmo era, na verdade, “para finalidades higiênicas”. Com a renúncia, Graciano Neves foi para o Rio de Janeiro ser diretor do Jardim Botânico e professor do Colégio Pedro II, tendo como companheiro Euclides da Cunha. Na ocasião, havia escrito o livro Doutrina do engrossamento, uma sátira mordaz às elites dirigentes do Espírito Santo e do País, também conhecido por “Tratado de como bajular os poderosos para se manter no poder”. A primeira edição foi impressa em São Mateus, em 1899. E foi o primeiro escritor brasileiro a citar Karl Marx. O fato interessante dá-se quando ele previu o risco de, no Espírito Santo, os “governos tornarem-se irritados e ferozes”, semelhantes ao animal a que La Fontaine se referiu: C’est un animal bien méchant. Quand on l’attaque, il se defend. Então, Graciano Neves anteviu o surgimento do “animal perverso” há exatos 110 anos antes de Paulo Hartung chegar ao Palácio Anchieta. E, se ele enviou a renúncia à Assembleia Legislativa de então em papel para “finalidades higiênicas”, Paulo Hartung, hoje, faz dela sua latrina. Então, nesse caso, há, também, alguma similaridade.
— E com Jones dos Santos Neves?
 — O contraponto com Jones dos Santos Neves está no fato de o ex-governador ter exercido a função de Interventor Federal durante a ditadura de Vargas. Mas, de 1951 a 1955, fez o governo mais democrático de nossa história e, mesmo tendo enfrentado uma oposição formada por ferrenhos adversários, deputados de excelente oratória que, na Assembleia Legislativa, o combatiam implacavelmente, como Eurico Rezende, Clóvis Stenzel, Oswaldo Zanelo, Floriano Rubim, Anacleto Rizo e Custódio Tristão, o ex-governador Jones dos Santos Neves manteve-se no eixo da normalidade constitucional e da civilidade, estabelecendo uma relação política sem virulência e procurando conduzir os destinos do Estado do Espírito Santo como havia proposto. No discurso de posse, em 31 de janeiro de 1951, antevendo o que aconteceria 50 anos depois, disse que “O Espírito Santo carece de paz e anseia por uma trégua política que lhe permita retomar os caminhos ensolarados do seu progresso. Não é possível que persistamos, por mais tempo, nessa autofagia cruel, reminiscências primitivas talvez da tribo dos maracajás que habitavam estas plagas, e continuemos, como aqueles ‘gatos selvagens’, a nos estraçalhar uns aos outros”. Então, Jones dos Santos Neves serviu a uma ditadura, foi interventor, mas fez o governo mais democrático e transformador do Espírito Santo. Meio século após, Paulo Hartung, que diz haver resistido à ditadura militar pós-1964, faz o governo mais ditatorial de nossa história. Implantou uma ditadura civil em pleno estado democrático de direito.
 — E qual o contraponto com Augusto Ruschi?
—  A luta de Augusto Ruschi contra a devastação da Mata Atlântica havia repercutido, tornando-o um dos mais conhecidos agitadores ecológicos do planeta. E, para manter a Reserva Biológica de Santa Lúcia, em Santa Teresa, ameaçada de ser transformada em plantação de palmito, ele quase tomou uma atitude primitiva e extrema: ameaçou invadir o Palácio Anchieta e matar o governador Élcio Álvares. O contraponto com Paulo Hartung é simples: por causa da ameaça da transformação de uma floresta natural em plantação de palmito, Augusato Ruschi ameaçou matar o governador. Hoje, caso ele fosse vivo, com a devastação provocada pelas transnacionais poluidoras e a cumplicidade do governo do Estado, por certo teria que matar Paulo Hartung. Embora também pudesse ser abatido pela imprensa amiga e pelo DOI-Codi Moral, antes mesmo de subir as escadas do Palácio Anchieta, com a acusação de “membro do crime organizado”.
 — E com Orlando Bomfim Júnior?
— Orlando da Silva Rosa Bomfim Júnior foi um mártir das lutas pela liberdade durante o regime militar. Seu desaparecimento serviu para que a sociedade civil e algumas instituições começassem a cobrar explicações sobre outros presos políticos, de quem também não se tinha notícia. O governo militar preferia dar versões fantasiosas, e as Forças Armadas se negavam a responder aos pedidos. Após a família acionar a Arquidiocese do Rio de Janeiro e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, surgem indícios de sua morte e espalham-se boatos e notícias não oficiais. Enfim, um clima de terror toma conta do País. Os militares preferem o silêncio e expressam total desprezo pelo cidadão civil, fazendo com que os órgãos de segurança arbitrassem as sentenças de prisão, tortura, banimento e morte. Assim, juntando-se ao paulista Wladmir Herzog, eles foram escolhidos pelas respectivas Assembleias Legislativas do Espírito Santo e de São Paulo para dar nome à criação de comendas dos direitos humanos, para homenagear os que se destacassem nas lutas contra o arbítrio, a censura e as injustiças sociais. Um ideal que deveria se constituir num compromisso de todas as gerações, para que o desrespeito à democracia, como os vividos no Brasil de 1964 a 1985, não se repetisse. No Estado do Espírito Santo, um projeto de lei nesse sentido tramitou na Assembleia Legislativa em 21 de junho de 1988. E, ao invés da comenda aprovada pelo parlamento paulista, que todo ano homenageia pessoas que se dedicam à causa dos direitos humanos, a Comenda Orlando da Silva Rosa Bomfim Júnior só foi concedida uma única vez. A iniciativa acabou relegada ao esquecimento pelo próprio parlamentar que a criou: Paulo Hartung. Este, em 2003, já na condição de governador do Estado, alertado sobre o não cumprimento da lei de sua autoria, a desprezou totalmente. Foi melhor assim: já pensou o ditador Paulo Hartung, criador das prisões em contêineres, promotor do maior caos estabelecido na segurança pública do Estado do Espírito Santo, denunciado na ONU por crimes contra os direitos humanos, as mortes por esquartejamento e a tortura nos presídios, entregando a Comenda Orlando Bomfim? Ainda bem que ela nunca mais foi entregue... Mas a similaridade dos dois é terem a mesma origem política, o Partidão. Se bem que Paulo Hartung usou o PCB conforme a conveniência e depois o descartou, assim como, durante sua trajetória, usou os demais partidos, MDB, PPS, PSB, PMDB, sempre de acordo com a conjuntura. Certa feita, ele tentou entrar para o PT, mas nós o barramos, montamos barricada. Mas não teve jeito, hoje ele faz o quer com o PT de Vitória. Empurrou pela goela da militância do partido o vice-prefeito de João Coser, sem o menor lastro político. Depois, excluiu João Coser da sucessão estadual de forma humilhante e o colocou no final da fila. Paulo Hartung é de uma maldade letal.
 — E os outros personagens?
— Os demais personagens não são contemporâneos de Paulo Hartung e, possivelmente, ele não sabe que todos nasceram no Espírito Santo. São artistas, intelectuais, desportistas, profissionais liberais que dignificaram o Estado, mas nem todos tiveram o devido reconhecimento dos governantes. Alguns carregaram indeléveis mágoas, e outros não deixaram de expressar certa afetividade para com sua terra natal, mesmo com os sentimentos de amor e ódio. Jones dos Santos Neves foi quem melhor nos definiu: “gatos selvagens”. Há muito nos engalfinhamos em lutas fratricidas pelo poder, fomos dominados pelas velhas oligarquias usurpadoras, embora tenhamos derrotado o mais temido corsário que atemorizou os mares e as populações costeiras do mundo, o pirata inglês Thomas Cavendisch — esta foi a única vez que nos unimos.
— Na condição de intelectual engajado nas lutas pela cultura, em defesa da memória histórica e pelas liberdades democráticas, qual sua avaliação do governo Paulo Hartung?
 — Quando li o slogan “Um Novo Espírito Santo”, tive o pressentimento da reedição do fatídico “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Paulo Hartung, provavelmente com saudade sociológica do regime militar ou inspirado nele, estabeleceu que existia o “Velho Espírito Santo”, tomado pela corrupção, o crime organizado e os desmandos administrativos, que via pelo retrovisor. Assim, escolheu algumas figuras carimbadas para o abjeto papel de Geni, em quem se pode jogar pedras e excrementos, e criou um divisor de águas. Como os militares que pensaram o golpe de 1964 estabeleceram que, a partir de 1 de abril, era preciso amar o Brasil ou deixá-lo, este  “Um Novo Espírito Santo” tem, conceitualmente, a mesma simbologia. Assim, é preciso execrar o “Velho Espírito Santo” emblematicamente como um exemplo do mal e, em nome do bem, distribuir salvo-condutos para os que forem escolhidos para a corte do Imperador. Assim, estrategicamente, José Carlos Gratz foi uma peça fundamental no projeto político de Paulo Hartung, que o satanizou e o escolheu para o papel de Geni. Caso não tivesse existido Gratz, o Paulo Hartung estaria perdido. Quem ele poderia colocar para fazer esse papel? Gratz foi a joia preciosa e necessária para a coroa do Imperador. E, quanto mais Gratz fazia loucuras, rasgava intimação em frente às câmaras da TV, dizia que era invencível e outras sandices, mais Paulo Hartung gostava. A imprensa amiga também teve um papel fundamental nesse cenário pitoresco, assim como algumas instituições vitais como a OAB capixaba, o Ministério Público Estadual e até a Igreja católica, com dois mil anos de experiência, caiu na lábia de Paulo Hartung. Por isso, ele se blindou, estabeleceu o fim de seu reinado em 2025, posou de exclusivista da moralidade e estabeleceu que todos aqueles que tinham relação com o “Velho Espírito Santo” pertenciam ao crime organizado e, consequentemente, precisavam ser jogados na vala comum. Para tal, criou uma espécie de DOI-Codi Moral e fez do marketing do combate ao crime organizado seu principal cavalo de batalha. Dai em diante, subjugou as autoridades, intimidou as instituições e foi celebrado Imperador.
— Na sua opinião, o que mais possibilitou esse estado de exceção, em plena democracia?
— Paulo Hartung deixou grassar a sordidez como forma de se tornar inimputável. É um gênio da falácia e um estrategista do infortúnio. Montou um invejável cofre da maldade com essa geringonça eletrônica chamada guardião, que funciona como pau de arrara auricular, e é, sobretudo, um homem obcecado pela vingança. O grampo no jornal A Gazeta é um exemplo tácito. Tinha em curso a CPI na Assembléia, e, quando estourou o escândalo da escuta clandestina dos jornalistas de A Gazeta, pensei que Paulo Hartung fosse cair, mas ele teve muita habilidade. A CPI acabou em suculenta pizza e até o relatório sumiu, e ninguém foi punido. Paulo Hartung é um craque do jogo da política, tem a habilidade de um Garrincha no campo de futebol. O núcleo duro de seu governo é ele diante de um espelho de quatro faces. Vigia a própria sombra e, como não confia em ninguém, é atormentado por um sentimento cruel: não tem amigo leal pelo fato de não cultivar a lealdade. Os que fazem parte de sua relação o temem 24 horas por dia e são liderados pelo estigma do medo. Quando alguém dessa relação temerária tenta correr em zigue-zaque para escapar de sua alça de mira, ele é implacável, fulmina-o com a precisão de um atirador de elite e, preferencialmente, pelas costas. Portanto é muito difícil estudar os motivos que fizeram com que ele criasse uma ditadura em plena democracia, tendo-o ainda no poder. Estou escrevendo O imperador. Será um livro para tentar decifrar psicologicamente seu pensamento e o modus operandi de seu governo. Paulo Hartung é um personagem excepcional. Qualquer escritor com um mínimo de inteligência não o deixaria passar incólume. Caso estivesse vivo, Jorge Amado escreveria sobre ele, e Dias Gomes faria uma festa. Não posso perder essa oportunidade, mesmo não tendo a competência dos mestres.

— Então, quem é Paulo Hartung?
— É um belo personagem, tão controverso quanto amado e odiado. Um gênio da cena política capixaba e, se fosse de um estado com mais peso político, seria candidatíssimo à presidência da República. Ele é um político obcecado pelo poder e implacável com os adversários. Um estrategista eleitoral que não erra em eleição, não entra em bola dividida, não dá declaração para gerar instabilidade, foge dos problemas de repercussão na mídia como o diabo, da cruz. Mede suas ações de acordo com o coeficiente eleitoral em questão, sabe mandar recados atemorizantes e não deixa impressão digital. Paulo Hartung destruiu todos os inimigos durante sua vida pública. Nas eleições de 2010, ele fez o inimaginável, derrotou os Mauro, pai e filho, embora não os tenha matado. Elegeu César Colnago, Lelo Coimbra, Ricardo Ferraço e quase todos os deputados estaduais e federais. Mas eleger Rodney Miranda, um desconhecido, com 65 mil votos, foi seu maior feito. O risco é de Rodney Miranda se achar um fenômeno. Essas eleições coroaram a genialidade de Paulo Hartung. Ele contabilizou apenas duas meias derrotas: não conseguiu derrotar Rose de Freitas e Magno Malta. Assim, não terá adversário com mandato nos próximos quatro anos. Paulo Hartung não faz o tipo falastrão, ao contrário, ele fala baixo, é educadíssimo, tem gestos comedidos, não deixa os cabelos em desalinho e está sempre com barba bem feita. Quando aparece na TV, magnetiza o telespectador com seu gestual de anjo querubim. Usa roupas impecáveis, é incapaz de uma deselegância em público com quem quer que seja, e quem o vê pela primeira vez o acha um gentleman. Por isso, é um personagem fascinante.
— E quais os defeitos?
— Muitos, mas é uma panela de Teflon, nada pega. Quantos já tentaram colar um defeito em sua biografia? Como escritor, com um mínimo de senso prático da profissão, tenho que me encantar pelo personagem, seja ele quem for. Até o mais virulento, o mais despótico e o mais sanguinário. Tenho que encontrar uma forma de construir uma história sem exercer o papel de juiz. Como escritor, não posso condenar Paulo Hartung. Preciso construir uma história cujo personagem principal possa provocar ódio e paixão ao mesmo tempo. O que Odorico Paraguaçu diria de Dias Gomes? É claro que Dias Gomes sabia que Odorico era o protótipo do político salafrário, velhaco, cafajeste, corrupto e pusilânime. Não vou construir O imperador para execrar Paulo Hartung. O leitor é que terá de tirar as conclusões. Quero construir um personagem que possa despertar admiração e ódio. Agora, estou escrevendo o capitulo de sua possível solidão após a posse de Renato Casagrande. Imagino inúmeros problemas existenciais, medos, virtudes e paixões. Ele sabe que ficará sem o poder de mando. Será a primeira vez que estará na planície. São 27 anos no alto do fuste, e isso vai atormentá-lo. Ele sabe que tinha um mandato de senador e, pela primeira vez, errou. E o que mais o atormenta é que ele poderia sepultar Magno Malta, e perdeu a oportunidade. Isso pode fazer a diferença em suas atitudes. E sabe, também, que construiu muitos inimigos. Mas o que pesa contra ele é a desconfiança. O PT não confia nele, nem Lula, nem Dilma, nem Zé Dirceu. No PSDB, é a mesma coisa, mesmo sendo ele do ninho tucano, em nenhuma das hipóteses ele terá um ministério, uma diretoria da Petrobras ou um cargo de primeiro escalão. Terá que sobreviver fazendo o que mais entende: atemorizar. Já mandou um emissário propagar que pode ser candidato a prefeito de Vitória em 2012, só para fazer o PT tremer de medo. Não vai existir ninguém com a capacidade de Paulo Hartung. Por isso, ele é um personagem pronto. É certo que, dependendo das circunstâncias, ele pode não gostar da história, mas não farei juízo de valor. Para escrever, tenho que me encantar pelo personagem, preciso rir de suas trapaças, seus golpes geniais, suas falácias e seus truques. O escritor precisa se apaixonar pelo personagem, mesmo sendo ele um tirano. Estou construindo uma história com uma boa dose de humor, mesmo com todas as denúncias de abuso de poder e culto à personalidade. Não podia ser diferente.

 — Podemos esperar O imperador com fatos que ainda não foram divulgados?
— Estou iniciando o livro pelo final da história de oito anos de poder absoluto. Os últimos dias do governador Paulo Hartung, na solidão do salão aristocrático do Palácio Anchieta, ao perceber o fim de seu reinado, com um turbilhão de lembranças povoando sua cabeça, além da dúvida de como será seu relacionamento com o governador Renato Casagrande à possibilidade de se tornar um cidadão comum e encontrar-se, um dia de sábado, no Restaurante Pirão, na Praia do Canto, com José Carlos Gratz. Mas não posso dar mais detalhes, é segredo literário. Gostaria de presenciar a cena de sua solidão, no gabinete, esvaziando as gavetas, para compor melhor o personagem. O fato de nenhum ditador se preparar para esse momento o fará perceber que tudo passou muito rápido. Na literatura da História Universal, todos aqueles que lideraram sob o estigma do medo, tiveram fins trágicos, e muitos foram vitimados por fatores psicológicos. Possivelmente Paulo Hartung já se arrepende de deixar a cadeira garantida no Senado da República para ficar na planície. Sabe que cometeu um erro estratégico que vai lhe dar muitos dissabores. Só que, agora, é real: o governante mais poderoso e temido da história do Espírito Santo, aquele que subjugou, atemorizou e execrou aliados, inimigos, poderes, instituições, imprensa, etc, vai, finalmente, se ver despido. A cena é dramática.
 — Acha que Paulo Hartung é mesmo um grande personagem para um livro?
 — Para o tipo de livro que pretendo não tenho dúvida. Ele é um gênio talentosíssimo da arte da política. Nem mesmo nas monarquias absolutistas, originadas de revoluções burguesas incompletas, houve alguém capaz de criar formas tão discricionárias e, ao mesmo tempo, dissimular-se como defensor das liberdades individuais e coletivas. Assim, em nome da necessidade de defender o bem, foram cometidas as maiores arbitrariedades em pleno estado democrático de direito. Nunca a mentira foi tão intensamente veiculada e difundida à exaustão, conforme a teoria Goebells, o sinistro ministro de Hitler e criador da teoria do engodo, que é a mentira repetida várias vezes até se tornar uma incontestável verdade. E, repetindo o que Napoleão Bonaparte implantou na Europa do último quartel do século XVIII, combinando elementos do pensamento iluminista de Rousseau, quando nenhuma classe ou grupo tinha poder suficiente para ser hegemônico, deixando a um líder pragmático e habilidoso a missão de mediar as diversas forças sociais, Paulo Hartung impôs a repressão aos intelectuais, a censura aos órgãos de comunicação e subjugou autoridades e instituições. Ou seja, criou uma ditadura civil em plena democracia. Assim, ao estabelecer as metas de um governo discricionário, criado a partir do diletantismo de “Um Novo Espírito Santo”, ele fez o Estado retroceder ao ano de 1851, época em que o bonapartismo incorporou as reivindicações do desenvolvimento industrial. Agora, Paulo Hartung incorporou a descoberta do pré-sal e fez e permitiu que o território capixaba fosse tomado de assalto pelas transnacionais poluidoras. Recentemente, para disfarçar a parceria espúria com as grandes empresas, que patrocinam as campanhas da maioria dos agentes políticos, o Palácio Anchiet a montou um teatro de marionetes. O resultado está estampado nas eleições de 2010, sobretudo para a Assembleia Legislativa. Paulo Hartung foi o maior vencedor, elegeu quem quis e derrotou os desafetos. Mesmo assim poderá se surpreender com o desempenho do futuro governador Renato Casagrande, que chegou ao topo do poder e vai querer usar a própria caneta. Mas essa será uma outra história.
— Quando será o lançamento de Nós, os capixabas, e como fazer para adquirir o livro?
—  O lançamento está sendo programado para a casa de show Spirito Jazz, que fica na Praia do Canto, em Vitória, mas também devo fazê-lo no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Para adquirir o livro, basta procurar uma livraria ou fazer contato pelo e-mail memorialeditora@terra.com.br. Ele custa R$35,00, já com as despesas de envio pelos correios.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Policiais mortos em serviço.wmv

Capitão Assumção denuncia "Comandante" capixaba - 1

Reprovação em teste de aptidão física por motivo de doença.

Reprovação em teste de aptidão física por motivo de doença.

No dia do teste de aptidão física, o candidato encontrava-se doente e não conseguiu o desempenho necessário. Outro candidato, que também estava doente, não realizou a prova e lhe foi concedido o direito de executá-la em outro dia. Por este motivo, o primeiro candidato impetrou mandado de segurança para obter o mesmo benefício.
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ___ Vara dos Feitos da Fazenda Pública Estadual - Foro de Vitória - Comarca da Capital - Estado do Espírito Santo:
R.A.P., brasileiro, casado, Capitão da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, portador do RG. N.... e do CPF n..... , residente e domiciliado na... , vem, por meio dos advogados in fine assinados (doc. 1) (com escritório profissional situado na... , onde deverá receber as intimações), com muito respeito, à elevada presença de V. Exa., impetrar MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR contra ato do COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, autoridade coatora que poderá ser encontrada no... , e em face de J.G.F., Capitão da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, portador do RG. N.... , residente e domiciliado na... , pelos fatos e fundamentos jurídicos adiante aduzidos.

1) FATOS

O impetrante é Capitão da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, conforme corrobora o doc. 2, acostado a estes autos. Trata-se de Oficial intermediário que se dedica, com esmero, às atividades da polícia militar, aspirando promoção na carreira, para assomar à função de Major.
Em 4 de maio de 2006, foi publicado edital (doc. 3) contemplando processo seletivo para o preenchimento de 40 (quarenta) vagas no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da Polícia Militar (CAO) para fins de promoção de Oficiais da Polícia Militar, da patente de Capitão para Major.
O mencionado instrumento explicitou que o processo seletivo seria realizado por meio das seguintes etapas: a) inscrição; b) aprovação em exame de saúde, conforme avaliação de junta médica; c) aprovação em teste de aptidão física (TAF); d) classificação por antiguidade dentro do limite de vagas; e) entrega de pré-projeto para elaboração de pesquisa.
As normas para aplicação do teste de avaliação física (TAF) constam na Portaria 11-S, de 24 de fevereiro de 2005, e o Manual de Aplicação do Teste de Avaliação Física foi acostado a estes autos, consoante se corrobora do texto do doc. 4.
O impetrante realizou a sua inscrição no processo seletivo e depositou o seu o pré-projeto para elaboração da pesquisa, sendo, outrossim, considerado apto na avaliação da Junta Médica de Saúde, conforme doc. 5.
Nos dias cinco e sete de julho do ano de 2006, foram realizados os testes de aptidão física, consoante se corrobora da ata acostada a estes autos (doc. 6). Registre-se, desde já, que na citada ata consta que um dos Capitães da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo, o Sr. M.A.T.D. - RG... , não foi submetido ao teste físico por estar com dispensa médica.
Na mesma ata (doc. 6) consta, ainda, o rol dos candidatos aptos e não aptos no exame físico. Foram considerados não aptos no exame físico dois candidatos, o impetrante e o Capitão M.A.T.D., in verbis:
NOME
MOTIVO
1
CAP. R.A.P.
Rg....
Zerar prova de 3200 m, conforme letra "j" do item 6 do Manual de Aplicação de Exame Físico.
2
CAP. M.A.T.D.
Rg....
Não estar em condições de ser submetido ao exame físico, conforme Letra "f" do item 6 do Manual de Aplicação de Exame Físico.

É importante consignar que, no exame físico, o impetrante foi aprovado em quase todas as provas, como a prova de apoio de frente, abdominal remador, meio sugado, flexão na barra fixa, corrida de 100 m, restando reprovado apenas na corrida de 3200 m (doc. 6, tabela do TAF do CAO/2006). Nesta prova, o impetrante deveria ter realizado o percurso no tempo máximo de 18 (dezoito) minutos e 20 (vinte) segundos. Entretanto, excedeu o tempo máximo em apenas 29 (vinte e nove) segundos.
A reprovação do impetrante deu-se em virtude de problema de saúde pelo qual estava perpassando. Com efeito, estava acometido de hérnia discal com componente extruso descendente e lateralizado à direita - CID M511, desde junho/06 (doc. 8), o que veio a atingir a raiz nervosa, deixando a perna direita com dormência. Tal enfermidade, sem qualquer dúvida, dificultou a realização da prova de corrida de 3200 m. Mesmo com essa dificuldade, importante reiterar, o impetrante excedeu apenas em 29 (vinte e nove) segundos o tempo máximo da prova de corrida.
Inconformado com o resultado do Teste de Avaliação Física (TAF), o impetrante apresentou recurso administrativo, em 17/07/06, ao Comandante Geral da Polícia Militar do ES, esclarecendo todos os fatos e juntando ampla documentação comprobatória, rogando a realização de nova prova de corrida de 3200 m. Isso pode ser corroborado por meio do doc. 7. O citado recurso administrativo foi, em 18/07/06, indeferido, consoante doc. 9, sob o seguinte fundamento, in verbis:
"Analisando o Manual de aplicação do Teste de Aptidão Física para fins de ingresso na PMES e seleção interna objetivando a realização de cursos e estágios, publicado no BCG n. 17 e Portaria n. 400-R de 28 de abril de 2006, na parte dos procedimentos diversos, especialmente as letras "a", e "j" existe a previsão de que o candidato que zerar alguma das provas dos exames físicos para o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, será eliminado".
Além disso, a comunicação do candidato foi intempestiva, ou seja, não apresentou dispensa médica e nem comunicou oficialmente em tempo hábil sua condição debilitada ou a impossibilidade da realização dos testes físicos.
Como não existe previsão legal para a situação relatada (grifo nosso), sugiro, salvo melhor juízo, atender o previsto no Manual de aplicação do Teste de Aptidão Física para fins de ingresso na PMES e seleção interna objetivando a realização de cursos e estágios no caso em questão o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, mantendo o previsto na letra "j": o candidato que zerar alguma das provas do TAF, será automaticamente eliminado, e não efetuará as demais provas" (doc. 9).
De fato, o item 6, "j", do Manual de aplicação do Teste de Aptidão Física para fins de ingresso na PMES e seleção interna objetivando a realização de cursos e estágios, dispõe que "O candidato que zerar alguma das provas do TAF, será automaticamente eliminado, e não efetuará as demais provas".
Indaga-se, desde já, o porquê de o impetrante não ter comunicado previamente o seu estado de saúde para fins de requerer a designação de uma nova data para realização da prova. Na verdade, o impetrante agiu de boa-fé. É que o item 6, "f", do citado Manual, dispõe que: "O militar inserido nas condições listadas nas letras a, b, e c, destas prescrições e que estiver impossibilitado de ser submetido ao TAF nas datas previstas, será eliminado".
Ora, o preceito deixa claro que, se o candidato não se submetesse ao exame na data fixada, ele seria eliminado. Assim, entre tentar realizar a prova e já estar automaticamente reprovado, por não realizá-la na data fixada, o impetrante entendeu ser mais razoável arriscar-se a realizar a prova, ainda que isso viesse a agravar o seu estado de saúde.
Cumpre reiterar que o impetrante agiu de boa-fé. Com efeito, seguiu as normas do Manual. Se a não realização da prova na data fixada implicaria reprovação, consoante item 6, "f", do citado regulamento, melhor seria, então, tentar realizar a prova mesmo no estado de saúde em que se encontrava. Caso contrário, pelo Manual, estaria automaticamente reprovado.
O impetrante, então, irresignado com a situação, procurou obter informações sobre a situação de um outro Capitão, o Sr. M.A.T.D. - RG... , que não tinha realizado o exame físico nos dias estabelecidos pela Administração, por motivos de saúde. Na ata n. 05/06 - CPAEF (doc. 6), realmente, consta o seguinte:
"(...) Todos os candidatos comparecem no dia e horário estipulado para a prova, sendo que o candidato CAP PM M.A.T.D., Rg.... , não foi submetido ao teste físico por estar com dispensa médica (grifo nosso)".
Na verdade, o citado Capitão tinha apresentado um recurso ao Comandante Geral da PMES, solicitando a transferência da data da sua prova, considerando que o seu estado de saúde não o permitiria realizar a prova. Trata-se do requerimento CI / PMES / 1 / CRP / N. 115/06, datado de 5 de julho de 2006, encaminhado pelo Capitão M.A.T.D. ao Comandante Geral da PMES.
O impetrante chegou até mesmo a tentar obter cópia deste procedimento administrativo, mas foi indeferido pelo Comandante Geral da PMES (docs. 13 e 14).
De qualquer sorte, a decisão do procedimento administrativo do Cap. M.A.T.D. consta do aditamento DEI 29/06 ao BCG n. 29/06, acostado a estes autos (doc. 12). No item 3.1.2, letra "a", do citado documento assim restou consignado:
"No requerimento CI/PMES/1/CRP/ N 115/06 datado de 5 de julho, encaminhado pelo CAP PM M.A.T.D. - RG... onde solicita remarcação da data de realização do Teste de Aptidão Física para o CAO/2006 (...) DEFIRO, remarcando o teste físico para os dias 18 e 20 de julho de 2006. (grifo nosso)" (doc. 12)
Nota-se, assim, que o Capitão M.A.T.D. conseguiu, em sede de procedimento administrativo, uma decisão do Comandante Geral da PMES deferindo a remarcação do teste físico para os dias 18 e 20 de julho do ano em curso. reside a ilegalidade e o abuso de poder da autoridade coatora, por perpetrar ato que viola, dentre outros princípios - como se verá-, o da isonomia.
Com efeito, o Manual de aplicação do Teste de Aptidão Física para fins de ingresso na PMES e seleção interna objetivando a realização de cursos e estágios dispõem "f" e "j", do item 6, o seguinte:
Item 6, aliena "f" - "O militar inserido nas condições listadas na letras "a", "b" e "c" (CSP, CAO e outros) destas prescrições e que estiver impossibilitado de ser submetido ao TAF nas datas previstas, será eliminado (grifo nosso)"
Item 6, aliena "j" - "O candidato que zerar alguma das provas do TAF, será automaticamente eliminado, e não efetuará as demais provas (grifo nosso)".
INTRUJE-SE DOS PRECEITOS CITADOS QUE O MANUAL NÃO ESTABELECE QUALQUER DISTINÇÃO: O CANDIDATO QUE ZERAR QUALQUER PROVA SERÁ ELIMINADO, ASSIM COMO AQUELE QUE ESTIVER IMPOSSIBILITADO DE SER SUBMETIDO AO TAF (TESTE DE AVALIAÇÃO FÍSICA) NAS DATAS PREVISTAS.
In casu, o impetrante, que estava acometido de enfermidade grave (doc. 8), por ter zerado apenas uma das provas (corrida de 3200 metros) foi reprovado; o Cap. M.A.T.D., contudo, que estava impossibilitado de realizar a prova na data fixada pela Administração - também por motivo de saúde - teve o seu pedido de remarcação do teste físico deferido. A violação ao princípio da isonomia é ostensiva.
Não se quer com isso sustentar-se que o pleito do Cap. M.A.T.D. não merecesse acolhimento. Na verdade, encontra espeque no princípio da dignidade da pessoa humana. De fato, não é razoável que uma pessoa não consiga uma promoção na carreira profissional, tão almejada, em virtude de uma mal estar, por exemplo, no dia da realização de um exame. Por isso mesmo, o requerimento do Cap. M.A.T.D. foi corretamente deferido pelo Comandante Geral da Polícia Militar do ES. Mas o mesmo não foi estendido ao ora impetrante.
Na verdade, uma interpretação rígida e inflexível do manual, como a que foi feita, de sorte a não conceder ao profissional digno e dedicado uma nova oportunidade para realizar o exame físico - quando em situação de saúde regular - fere os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CF), da isonomia (art. 5º, caput, da CF), da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, § 2º da CF).
O impetrante apresentou, na esfera administrativa, ao Comandante Geral da PMES, pedido de reconsideração da decisão que indeferiu a remarcação de sua prova, aduzindo diversos argumentos (doc. 10). Este pedido foi protocolado em 20/07/2006 (doc. 10). Em 24/07/2006, novamente, o pleito foi indeferido (doc. 11).
Cumpre destacar, por fim, que o impetrante é o OFICIAL, NA ORDEM DE ANTIGUIDADE, MAIS ANTIGO DENTRE OS INSCRITOS (doc. 11).
No caso sub examen resta ostensiva a ilegalidade e o abuso de poder que foram perpetrados pela autoridade coatora ao indeferir o pedido de remarcação da prova, aviado pelo impetrante.

2) FUNDAMENTOS JURÍDICOS

Trata-se de mandamus impetrado contra ato eivado de ilegalidade e de abuso de poder, praticado pelo Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo que indeferiu o pedido do impetrante de remarcação de exame físico. A aprovação na referida prova permitiria ao impetrante prosseguir no certame, com a respectiva freqüência ao Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da Polícia, para fins de obtenção de promoção à patente de Major. O art. 1º da Lei 1533/51 reza o seguinte:
"Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".
No mesmo sentido, reza o art. 5º, inc. LXIX, da Constituição Federal que:
"Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".
2.1) Ilegalidade e abuso de poder em relação ao ato perpetrado pela autoridade coatora
Para concessão do mandamus exige-se a prática de ato ilegal ou abusivo por parte da autoridade. Esclarece a doutrina que o ato de autoridade, mencionado pelo Legislador, deve ser entendido em sentido amplo, abarcando, inclusive, eventual omissão da autoridade. Sobre o exposto, pode-se colacionar o seguinte excerto:
Ato de autoridade é toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Por autoridade entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 26. ed. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 33.)
O ato do Comandante Geral da PMES de indeferir o pedido do impetrante de remarcação da prova física enquadra-se, perfeitamente, no conceito de ato de autoridade para fins de concessão do writ. Cumpre, agora, analisar o que é um ato eivado de ilegalidade para efeito de concessão de mandado de segurança. Na doutrina, encontra-se a seguinte orientação:
"Ilegalidade, na doutrina do direito publico, usualmente se relaciona aos desvios dos padrões de legalidade estrita (aí compreendido, evidentemente, o desvio dos padrões constitucionais) e, conseqüentemente, à prática de atos vinculados (grifo nosso)" (BUENO, Cássio Scarpinella. Mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 15).
Intruje-se, assim, do escólio citado que a ilegalidade de um ato é entendida também em sentido amplo. Por outras palavras: a ilegalidade não resulta apenas da violação da lei ordinária, da lei em sentido estrito, mas também da própria Constituição Federal. O abuso de poder ocorre quando o agente público incorre em excesso na prática do ato.
O ato da autoridade coatora está eivado de ilegalidade por violar os princípios da isonomia, da razoabilidade e da proporcionalidade, da boa-fé e da dignidade da pessoa humana. Ademais, o ato da autoridade coatora, como se demonstrará, deixou de aplicar dispositivo do manual de aplicação do teste de avaliação física para fins de ingresso na PMES e seleção interna objetivando a realização de curso e estágios que viabilizaria a remarcação da prova.
2.1.1) Violação ululante do princípio da isonomia
O art. 5º, caput, da CF reza o seguinte:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)".
O princípio da isonomia constitui um dos cânones mais importantes de todo ordenamento jurídico. De fato, tal princípio proíbe o tratamento desigual entre as pessoas, de sorte a tratar pessoas que estão em situações idênticas de forma diversa. Como lembra a doutrina:
"É, igualmente, ao lado do princípio da legalidade, verdadeiro princípio essencial, verdadeira viga mestra sobre a qual se estrutura todo o edifício do Estado de Direito. Por ele se vincula a Administração Pública a tratar com igualdade os cidadãos, sem a possibilidade de criar privilégios ou discrimens que sejam ilógicos e aleatórios, como anota Lúcia Valle Figueiredo. À Administração Pública é vedado, portanto, estabelecer privilégios para atender a certos cidadãos ou prejudicar outros de maneira desarrazoada (grifo nosso)" (COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 32 e 33).
"(...) Impõe-se aos iguais, por esse princípio, um tratamento impessoal, igualitário ou isonômico. É princípio que norteia, sob pena de ilegalidade, os atos e comportamentos da Administração Pública direta e indireta (grifo nosso)" (GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 19).
"O princípio da isonomia ou igualdade dos administrados em face da Administração firma a tese de que esta não pode desenvolver qualquer espécie de favoritismo ou desvalia em proveito ou detrimento de alguém. Há de agir com obediência ao princípio da impessoalidade (grifo nosso) "(MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 43 e 44).
"O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. (...) Com efeito, a igualdade é princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar a garantia individual (não é sem razão que se acha insculpido em artigo subordinado à rubrica constitucional "Dos Direitos e Garantias Fundamentais") contra perseguições e, de outro, tolher favoritismos (grifo nosso)" (MELLO, Celso Antônio Bandeira. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 12 e 23).
Preciso o último escólio citado: o princípio da isonomia visa, em última análise, a propiciar a garantia contra perseguições e a tolher os favoritismos por parte do agente público.
Indagar-se-á de que forma o ato da autoridade coatora violou o princípio da isonomia. Na verdade, quando o Comandante Geral da PMES aplicou um artigo do manual de aplicação do teste de avaliação física para fins de ingresso na PMES e seleção interna para um dos candidatos, o Capitão M.A.T.D., e deixou de aplicá-lo para outro, o impetrante, incidiu em ululante quebra da isonomia.
De fato, o Capitão M.A.T.D., como visto, solicitou à autoridade coatora a remarcação do seu exame físico, em função de problemas de saúde, o que foi deferido (doc. 12). Cumpre esclarecer que o manual de aplicação do teste de avaliação física para fins de ingresso na PMES e seleção interna dispõe no item 6, "f", que:
Item 6, aliena "f" - "O militar inserido nas condições listadas na letras "a", "b" e "c" (CSP, CAO e outros) destas prescrições e que estiver impossibilitado de ser submetido ao TAF nas datas previstas, será eliminado (grifo nosso)"
A despeito de a norma prever a eliminação do candidato no caso citado, a autoridade coatora não a aplicou. Considerou relevante a argumentação de que o Cap. M.A.T.D. encontrava-se com problemas de saúde, motivo pelo qual deferiu a remarcação do exame.
Contudo, em relação aos dois requerimentos do impetrante, aviados na esfera administrativa, outra foi a sorte. De fato, a despeito de o impetrante estar com problema de saúde (doc. 8), a autoridade coatora indeferiu o seu requerimento de remarcação da prova, aplicando, in casu, o item 6, "j", do manual, in verbis:
Item 6, alínea "j" - "O candidato que zerar alguma das provas do TAF, será automaticamente eliminado, e não efetuará as demais provas (grifo nosso)".
Não se quer com essa argumentação sustentar-se que o ato da autoridade coatora foi ilegal em relação Capitão M.A.T.D.. Nada mais correto do que deferir a remarcação do exame. Ora, se candidato, por motivo de saúde - fato alheio à sua esfera de disposição - não pode fazer o teste físico, seria demasiado irrazoável exigir-se que o faça mesmo assim.
De fato, o Oficial aguarda anos e anos para tentar assomar a uma patente mais elevada, que, em muitos casos, representa um verdadeiro sonho para o profissional (como é o caso do impetrante - que, pelo critério de antiguidade, é o Capitão mais antigo dentre os inscritos). Não se pode, então, admitir que uma enfermidade temporária, inusitada, presente no momento do exame físico, impeça o Militar de obter um grau hierárquico maior.
Contudo, a mesma postura adotada pela autoridade coatora em relação ao Capitão M.A.T.D. deveria ter sido adotada em relação ao impetrante, uma vez que as situações são absolutamente idênticas. Nesse particular é que reside a ilegalidade. Sobre o exposto, é oportuno colacionar o seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TESTE FÍSICO. MAL ESTAR CONTEMPORÂNEO. ELIMINAÇÃO. ETAPAS. DISPENSA MÉDICA. INEXIGIBILIDADE. EDITAL. NOVA OPORTUNIDADE. ISONOMIA (grifo nosso).
1. A FALTA DE PREVISÃO EDITALÍCIA PARA DETERMINADOS EVENTOS HÁ DE SER SUPRIDA PELA PRUDENTE DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL, POIS A IMPREVISIBILIDADE É A NOTA CARACTERÍSTICA DO CASO FORTUITO E DE FORÇA MAIOR.
2. SE NOVA OPORTUNIDADE DE EXAME FÍSICO É CONCEDIDA A ALGUNS CANDIDATOS QUE APRESENTARAM DISPENSA MÉDICA NA DATA DA REALIZAÇÃO DO PRIMEIRO TESTE FÍSICO, A MESMA OPORTUNIDADE DEVE SER CONFERIDA ÀQUELE QUE FOI ACOMETIDO DE MAL ESTAR CONTEMPORÂNEO AO PRÓPRIO TESTE, SENDO INEXIGÍVEL AO CANDIDATO QUE SE MUNICIASSE ADREDEMENTE DO COMPETENTE ATESTADO MÉDICO.
3. O RIGORISMO QUE SE EMPRESTA À EXEGESE DAS CLÁUSULAS EDITALÍCIAS DEVE SER MITIGADO, MORMENTE EM MATÉRIAS QUE SE ERIGEM EM GARANTIAS INDIVIDUAIS, CONFORMANDO CLÁUSULAS PÉTREAS, COMO É O CASO DA ISONOMIA (grifo nosso).
4. A DESCONSTITUIÇÃO DO ATO QUE ELIMINA CANDIDATO DE UMA DAS ETAPAS DO CONCURSO NÃO TEM O CONDÃO DE DISPENSÁ-LO DAS ETAPAS SUBSEQÜENTES, MAS SIM DE GARANTIR A SUA PARTICIPAÇÃO NAQUELAS, DE MANEIRA QUE NÃO SEJA VIOLADO O PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM RELAÇÃO AOS DEMAIS CANDIDATOS. DECISÃO: DAR PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME (Tribunal de Justiça do Distrito Federal. PROCESSO: APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA DE OFICIO 19980110227288APC DF. ACÓRDÃO: 119596. ÓRGÃO JULGADOR: 3a Turma Cível DATA: 06/05/1999. RELATOR: ANA MARIA DUARTE AMARANTE. PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do DF: 17/11/1999 Pág: 25. RAMO DO DIREITO: DIREITO PROCESSUAL CIVIL).
O ato administrativo ilegal, que fora perpetrado pela autoridade coatora, por violar o princípio da isonomia, deve ser tolhido pelo Judiciário, em observância até mesmo do princípio do controle jurisdicional dos atos administrativos.
2.1.2) Violação do princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade
Reza o art. 2º da Lei 9784/99 o seguinte:
"A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade (grifo nosso), moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência".
Trata-se de dispositivo contido em lei que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal. De qualquer sorte, os princípios que aí estão previstos devem nortear a atuação de qualquer Administrador Público, sendo, portanto, aplicáveis nas esferas estadual e municipal. Dentre os diversos princípios previstos, destaca-se o da proporcionalidade ou da razoabilidade.
Ressalte-se, outrossim, que o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade encontra assento no Texto Constitucional, a despeito de ser implícito. De fato, o citado postulado não está expresso na Constituição, mas deriva do art. 5º, § 2º do texto magno ou mesmo da própria estrutura do Estado de Direito. Nesse sentido, pode-se colacionar o seguinte escólio:
"O princípio da proporcionalidade é, por conseguinte, direito positivo em nosso ordenamento constitucional. Embora não haja sido ainda formulado como ´norma jurídica global´, flui do espírito que anima em toda sua extensão e profundidade o § 2º do art. 5º (grifo nosso), o qual abrange a parte não-escrita ou não expressa dos direitos e garantias da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável a unidade da Constituição" (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 396.)
Adotar-se-á, aqui, para efeito de facilitação da argumentação, a tese de que razoabilidade e proporcionalidade têm a mesma significação. Nesse sentido, inclusive, orienta-se o Ministro do STF, Prof. Gilmar Ferreira Mendes. Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999. p. 42-44.
O princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade proíbe a atuação com excesso, a atuação desigual e irrazoável. Por outras palavras: a razoabilidade ou proporcionalidade consiste em uma medida de justiça. A Administração Publica, na prática dos seus atos administrativos, deve sempre portar-se de forma razoável. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:
"O princípio da razoabilidade postula da Administração Pública uma atuação consentânea com a realidade com a qual está lidando e valorando. Aqui o que se veda são ações desarrazoadas ou despropositadas diante da gama de situações posta sob a consideração do administrador (grifo nosso) (COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 46).
Não há dúvidas de que o ato perpetrado pela autoridade coatora de indeferir o requerimento de remarcação do exame físico para o impetrante, por motivo de saúde, viola a razoabilidade. Ora, se o candidato encontra-se com problema de saúde e precisa fazer uma prova física é óbvio que ele terá enorme dificuldade. A proporcionalidade ou razoabilidade deve ser adotada como uma medida de justiça.
Ademais, não se pode considerar razoável a conduta do Comandante Geral da PMES de deferir a remarcação do exame físico para o Capitão M.A.T.D. - em virtude de problema de saúde - e de indeferir a mesma remarcação para o impetrante, que também se encontrava com problema de saúde (doc. 8).
2.1.3) Violação do princípio da boa-fé
Consta no despacho de indeferimento do pedido de remarcação do exame físico do impetrante que a comunicação foi intempestiva, ou seja, não foi apresentada em tempo hábil. De fato, assim pronunciou-se a autoridade coatora, encampando, in totum, manifestação do Diretor de Ensino e Graduação:
"(...) Além disso, a comunicação do candidato foi intempestiva, ou seja, não apresentou dispensa média e nem comunicou oficialmente em tempo hábil sua condição debilitada ou a impossibilidade de realização dos testes físicos." (doc. 9)
Maxima venia, mas o impetrante agiu com boa-fé ao não comunicar previamente o seu estado de saúde à Administração, com vistas a requerer a remarcação do exame físico.
E o fez por uma razão já antes esclarecida neste mandamus, a qual é reiterada neste azo. Com efeito, o item 6, "f", do citado manual de aplicação do teste de avaliação física para fins de ingresso na PMES e seleção interna objetivando a realização de curso e estágios dispõe o seguinte:
"O militar inserido nas condições listadas nas letras a, b, e c, destas prescrições e que estiver impossibilitado de ser submetido ao TAF nas datas previstas, será eliminado".
Como já consignado, o dispositivo deixa claro que se o candidato não se submeter ao exame na data fixada, ele seria eliminado. Assim, entre tentar realizar a prova e já estar automaticamente reprovado, por não realizá-la na data fixada, o impetrante entendeu ser mais razoável arriscar-se a realizar a prova, ainda que isso viesse a agravar o seu estado de saúde.
Reitere-se que o impetrante agiu com extrema boa-fé. De fato, seguiu as normas do Manual. Se a não realização da prova na data fixada implicaria reprovação, consoante item 6, "f", do citado regulamento, melhor seria, então, tentar realizar a prova mesmo no estado de saúde em que se encontrava. Caso contrário, pelo Manual, estaria automaticamente reprovado. Neste sentido, foi a manifestação do impetrante em sede administrativa, in verbis:
"Por esse motivo, vivendo as expectativas de particular do TAF, e de ser aprovado para cursar o CAO, o requerente concluiu que se deixasse de participar do último exame do TAF, justamente a corrida, na data preestabelecida, e caso não conseguisse passar no TAF, fazendo-o na mesma data, seria eliminado do processo de seleção. Então, numa atitude consciente, mesmo não estando em condições físicas plenas e correndo o risco da situação agravar-se (saúde), decidi fazer o TAF, por entender que era a única forma de evitar minha desclassificação (...)" (doc. 11).
O problema, contudo, é que o manual foi aplicado para o impetrante, mas não o foi para o Capitão M.A.T.D., o qual solicitou nova data para realização de exame por motivo de saúde e teve o seu requerimento deferido (doc. 12, item 3.12, letra "a"). O impetrante solicitou, inclusive, cópia deste procedimento à autoridade coatora, o que foi indeferido (doc. 13 e 14). Infere-se que situações absolutamente idênticas foram tratadas de forma diferente, sendo que o impetrante agiu de boa-fé ao seguir o que o Manual dispõe.
A boa-fé do impetrante não foi prestigiada. Na verdade, a autoridade coatora, com o seu ato de indeferimento do requerimento do impetrante de remarcação do exame físico, agiu em desprestígio à boa-fé. Houve, de fato, violação do princípio da boa-fé.
O princípio da boa-fé norteia todo o ordenamento jurídico. Trata-se, na verdade, de um princípio geral de direito, que tem aplicação a todas as searas do direito, ainda que não expresso. Pode-se mesmo considerar que o princípio da boa-fé está implícito no sistema jurídico. Nesse sentido, pode-se vaticinar o seguinte:
"Os princípios gerais de direito, entendemos, não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito. São normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não positivadas. (...) em sua grande maioria estão implícitos no sistema jurídico civil, exemplificativamente (...): 6) o de que a boa fé se presume (grifo nosso) (...)" (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 78 e 79. v.1).
A violação ao princípio da boa-fé, por parte da autoridade coatora, foi ostensiva. De fato, o ato perpetrado pelo coator - de indeferir o requerimento de remarcação do exame do impetrante - resvalou do critério de tutela da boa-fé do administrado. Nesse sentido, ademais, pode-se citar o seguinte:
"Com o princípio da boa-fé pretende a Constituição tutelar uma relação de confiança que deve se estabelecer entre Administração Pública e administrado. Por ela não se permite que a Administração, valendo-se dos meios materiais e jurídicos que tem a sua disposição para tutelar o interesse público, venha a agir de modo a ilaquear a boa-fé do administrado (grifo nosso)" (COELHO, Paulo Magalhães da Costa. Manual de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 52).
2.1.4) Violação do princípio da dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1º, inc. III, da Constituição Federal e constitui um dos fundamentos da República.
"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana".
O ato impugnado da autoridade coatora fere o princípio da dignidade da pessoa humana. Não se pode mesmo admitir que o impetrante, por exceder em apenas alguns segundos o tempo máximo de corrida, não obtenha uma promoção tão-esperada na sua carreira. Mais do que isso, deve-se ressaltar que o impetrante não deu causa ao seu mal estado de saúde, presente quando da realização do exame físico (doc. 8).
A nova patente é esperada com muita paciência pelos Oficias, em particular por aqueles que dedicam todas as suas vidas à carreira da Polícia Militar, como é o caso do impetrante. Reitere-se que o impetrante é o OFICIAL, NA ORDEM DE ANTIGUIDADE, MAIS ANTIGO DENTRE OS INSCRITOS (doc. 11).
2.1.5) Não aplicação de preceptivo do manual de aplicação do teste de avaliação física para fins de ingresso na PMES e seleção interna objetivando a realização de cursos e estágios
No manual de aplicação do teste de avaliação física para fins de ingresso na PMES e seleção interna objetivando a realização de cursos e estágios, há um dispositivo que, devidamente interpretado, permitiria à autoridade coatora remarcar o exame físico do impetrante. Trata-se do item 6, alínea "g", in verbis:
"Aos candidatos submetidos ao TAF não haverá repetição de qualquer prova, salvo por motivos fortuitos (grifo nosso) (Ex. pane no cronômetro e defeitos em aparelhos ocorridos durante a realização do exercício)".
Esclarece o preceito citado que, como regra geral, não haverá repetição de qualquer prova, salvo por motivo fortuito. Cumpre analisar, ou seja, interpretar no que consiste um "motivo fortuito", ensejador de repetição da prova.
Nem se limite tal conceito às hipóteses descritas no dispositivo, como a "pane no cronômetro" ou "defeito em aparelhos ocorridos", pois, na norma, foi empregada a expressão "Ex.", ou seja, "exemplos". Trata-se, portanto, de rol meramente exemplificativo e não exaustivo.
"Fortuito", contempla o Dicionário Aurélio Eletrônico, é o "casual, acidental, eventual, inopinado, imprevisto". A nota característica do fortuito é a imprevisão. Ora, o problema de saúde do impetrante foi imprevisto, exatamente como exigido no preceito normativo.
O conceito de caso fortuito na doutrina, embora exista alguma cizânia, é o seguinte:
"Caso fortuito ou força maior: foram empregados pelo legislador como sinônimos, mas doutrinariamente não se confundem, muito embora os autores divirjam sobre as diferenças entre os dois eventos. (...) Optamos por seguir a corrente dos que entendem ser o caso fortuito o acidente que não poderia ser razoavelmente previsto" (...) (FIUZA, Ricardo et al. Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 352).
"(...) Em geral, a expressão caso fortuito é empregada para designar fato ou ato alheiro à vontade das partes, ligado ao comportamento humano ou ao funcionamento de máquinas (...)" (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002004. v. 2. p. 354).
Qualquer dúvida quanto ao fato de que se o problema de saúde configura situação de fortuito pode ser elucidada em decisão já citada do TJDF nesta peça mandamental. Tamanha é a clarividência da decisão que trago-a novamente à lume:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TESTE FÍSICO. MAL ESTAR CONTEMPORÂNEO. ELIMINAÇÃO. ETAPAS. DISPENSA MÉDICA. INEXIGIBILIDADE. EDITAL. NOVA OPORTUNIDADE. ISONOMIA (grifo nosso).
1. A FALTA DE PREVISÃO EDITALÍCIA PARA DETERMINADOS EVENTOS HÁ DE SER SUPRIDA PELA PRUDENTE DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL, POIS A IMPREVISIBILIDADE É A NOTA CARACTERÍSTICA DO CASO FORTUITO E DE FORÇA MAIOR.
2. SE NOVA OPORTUNIDADE DE EXAME FÍSICO É CONCEDIDA A ALGUNS CANDIDATOS QUE APRESENTARAM DISPENSA MÉDICA NA DATA DA REALIZAÇÃO DO PRIMEIRO TESTE FÍSICO, A MESMA OPORTUNIDADE DEVE SER CONFERIDA ÀQUELE QUE FOI ACOMETIDO DE MAL ESTAR CONTEMPORÂNEO AO PRÓPRIO TESTE, SENDO INEXIGÍVEL AO CANDIDATO QUE SE MUNICIASSE ADREDEMENTE DO COMPETENTE ATESTADO MÉDICO.
3. O RIGORISMO QUE SE EMPRESTA À EXEGESE DAS CLÁUSULAS EDITALÍCIAS DEVE SER MITIGADO, MORMENTE EM MATÉRIAS QUE SE ERIGEM EM GARANTIAS INDIVIDUAIS, CONFORMANDO CLÁUSULAS PÉTREAS, COMO É O CASO DA ISONOMIA (grifo nosso).
4. A DESCONSTITUIÇÃO DO ATO QUE ELIMINA CANDIDATO DE UMA DAS ETAPAS DO CONCURSO NÃO TEM O CONDÃO DE DISPENSÁ-LO DAS ETAPAS SUBSEQÜENTES, MAS SIM DE GARANTIR A SUA PARTICIPAÇÃO NAQUELAS, DE MANEIRA QUE NÃO SEJA VIOLADO O PRINCÍPIO DA IGUALDADE EM RELAÇÃO AOS DEMAIS CANDIDATOS. DECISÃO: DAR PARCIAL PROVIMENTO. UNÂNIME (Tribunal de Justiça do Distrito Federal. PROCESSO: APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA DE OFICIO 19980110227288APC DF. ACÓRDÃO: 119596. ÓRGÃO JULGADOR: 3a Turma Cível DATA: 06/05/1999. RELATOR: ANA MARIA DUARTE AMARANTE. PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do DF: 17/11/1999 Pág: 25. RAMO DO DIREITO: DIREITO PROCESSUAL CIVIL).
Indagar-se-á, nesse particular, onde há abuso na conduta da autoridade coatora. O abuso de poder reside na omissão da autoridade em deixar de aplicar o dispositivo citado. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte escólio:
"Por ato de autoridade, suscetível de mandado de segurança, entende-se toda ação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las (grifo nosso)" (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 686).
2.1.6) Desconformidade entre a Lei e dispositivo do "manual de aplicação do teste de avaliação física para fins de ingresso na PMES e seleção interna objetivando a realização de curso e estágios": ilegalidade de preceito do manual
O manual de aplicação do teste de avaliação física para fins de ingresso na PMES e seleção interna objetivando a realização de curso e estágios contempla exame físico a ser aferido, dentre outras provas, por meio de corrida de 3200m.
Cumpre esclarecer que tal requisito não está previsto na Lei de regência. Com efeito, a Lei n. 1142/56 do Estado do Espírito Santo, que disciplina as promoções dos Oficiais da Polícia Militar, prevê que a robustez física será atestada por Junta Médica, e não por meio de corrida. Nesse sentido:
Lei 1142/56 - Estado do Espírito Santo
CAPÍTULO I
Disposições Preliminares
Art. 1º – As promoções dos Oficiais da Polícia Militar, em serviço ativo, serão feitas de acordo com as normas estabelecidas nesta Lei, respeitados os princípios de legislação federal atinente ao assunto (grifo nosso).
Art. 11 – As promoções se efetuarão dentro do Quadro onde se verificarem as vagas, satisfeitas pelos candidatos as condições seguintes:
a) idoneidade moral e profissional comprovada pelos, assentamentos, ou fé de ofício;
b) robustez física relativa a idade e ao exercício das funções a desempenhar, atestada por junta médica (grifo nosso);
2.2) Direito líquido e certo do impetrante
Cumpre, agora, analisar o direito líquido e certo do impetrante. Primeiramente, é oportuno consignar no que consiste o direito líquido e certo. Sobre isso, colaciono os seguintes excertos:
"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante" (...) (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 26. ed. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 36).
Direito líquido e certo há quando a ilegalidade ou a abusividade forem passíveis de demonstração documental, independentemente de sua complexidade ou densidade (grifo nosso) (BUENO, Cássio Scarpinella. Mandado de segurança. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 13).
O direito líquido e certo, portanto, é aquele demonstrado de plano e por meio de prova documental. In casu, tem-se prova documental de todo o alegado (docs. 1-14) e a ilegalidade e o abuso de poder do ato praticado pela autoridade coatora são ostensivos.
2.3) Ausência de decurso do prazo decadencial
O prazo decadencial para impetração do mandamus é de 120 dias (art. 18 da Lei 1533/51). No caso em exame, este prazo ainda não transcorreu, considerando-se que a decisão do recurso administrativo interposto pelo impetrante data de 18/07/06 (doc. 9). Da mesma forma, a decisão da autoridade coatora em relação ao pedido de reconsideração da decisão anterior data de 24/07/06 (doc. 11).
2.4) Presença dos requisitos para concessão da liminar: fumus boni iuris e periculum in mora
A liminar em mandado de segurança é um mecanismo de tutela do dano marginal ou mediato. Mais do que isso, pode-se mesmo dizer que a liminar é inerente, isto é, é ínsita ao mandado de segurança. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:
"A liminar é, assim, a peça essencial ao funcionamento do mandado de segurança. (...) Como bem remarcou o Prof. Arruda Alvim ´em quase cem por cento dos casos, quem impetra uma segurança quer uma medida liminar´. Tal assertiva dá a idéia exata da importância capital da medida liminar no âmbito do mandado de segurança (grifo nosso)" (ORIONE NETO, Luiz. Liminares no processo civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2002. p. 310 e 311).
Os requisitos para concessão da medida liminar são fumus boni iuris e periculum in mora. O primeiro relaciona-se à plausibilidade do direito, ou seja, à fumaça do bom direito. Já o segundo está relacionado com o eventual perigo na demora na concessão de medida judicial.
O fumus boni iuris, no caso sub examen, resulta de toda a argumentação deduzida nesta peça, assim como de todos os documentos que foram coligidos aos autos. A ilegalidade do ato perpetrado pela autoridade coatora - de indeferir o requerimento do impetrante de remarcação do exame físico -, pelos diversos argumentos aqui aduzidos, caracteriza a plausibilidade do direito.
O periculum in mora reside no fato de que o impetrante precisa realizar, o mais rápido possível, nova prova de aptidão física (corrida de 3200 m) para continuar no certame. Na verdade, o processo de promoção de Capitão para Major da Polícia Militar é complexo e compreende várias etapas. O Curso de Formação de Oficiais já foi encetado e o impetrante precisa realizar o exame físico para continuar no certame.
Há, assim, ostensivo risco de ineficácia de eventual provimento final caso a liminar não seja concedida, uma vez que o certame está prosseguindo, com a realização do Curso de Formação de Oficiais (conforme doc. 12, item 2.1.3), de modo que, em pouco tempo, chegará ao seu final. Com efeito, o curso foi iniciado no dia 27 de julho do ano em curso.
Importante ressaltar, ainda, que a concessão da liminar não é uma faculdade do Magistrado. De fato, presentes os seus pressupostos deverá ser necessariamente deferida. Nesse sentido:
"A liminar não é uma liberdade da Justiça: é medida acauteladora do direito do impetrante, que não pode ser negada quando ocorrerem os seus pressupostos (grifo nosso) como, também, não deve ser concedida quando ausentes os requisitos de sua admissibilidade" (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 26. ed. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 77).
Consigne-se, outrossim, que não há ocorrência do periculum in mora inverso, isto é, nenhum prejuízo advirá para a autoridade coatora com a concessão da liminar.
2.4) Legitimidade passiva ad causam
A legitimidade passiva ad causam, na presente ação mandamental, é da autoridade coatora. Com efeito, não é da pessoa jurídica, mas sim do agente público responsável pela ilegalidade ou abuso de poder. Embora exista orientação em sentido contrário em sede doutrinária, na jurisprudência esse é o critério dominante. Sobre o exposto:
É caso de extinção do processo se i impetrante, em vez de indicar a autoridade coatora, move a ação contra a pessoa jurídica de direito publico em nome da qual ela agiu (RJTJESP 111/182).
No caso sub examen, a autoridade coatora, até mesmo pelo que se dessume dos docs. 7, 9, 10 e 11, é o Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Espírito Santo. Eis aí, portanto, o legitimado passivo para a presente ação mandamental.
Contudo, in casu, há ainda necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário, já que pode ocorrer, com a concessão do writ, a modificação de situação de uma pessoa que foi beneficiada com o ato impugnado. Trata-se do Capitão J.G.F.
A situação merece esclarecimento. Na verdade, o aditamento DEI 18/06 ao BCG 18/06 (doc. 3), que contempla regras para o processo seletivo para o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da Polícia Militar, prevê, no item 2.1.1, apenas 40 vagas no curso. A mesma limitação de vagas é reiterada no item "c" do citado documento.
O impetrante, entretanto, por conduta abusiva e ilegal perpetrada por parte da autoridade coatora, não foi contemplado nesse número de vagas. Realmente, foram beneficiados apenas os primeiros quarenta colocados, conforme doc. 12, item 2.1.3. Assim, eventual concessão do writ poderia afetar a situação do último colocado, o Capitão J.G.F. (doc. 12, item 2.1.3).
Essa inclusão no pólo passivo da ação mandamental de pessoa que poderá eventualmente ser afetada pela decisão visa a evitar eventual argüição futura de nulidade do processo, nos termos do art. 47, parágrafo único do CPC, pela não formação do litisconsórcio necessário. O art. 19 da Lei 1533/51 dispõe o seguinte:
Aplicam-se ao processo de mandado de segurança os artigos do Código de Processo Civil que regulam o litisconsórcio.
E o art. 47, parágrafo único do CPC reza que:
O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsorte necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.
A doutrina e a jurisprudência sobre a matéria são exatamente no sentido do exposto, ou seja, no sentido da necessidade de ser incluído no pólo passivo da ação mandamental aquele que poderá ser eventualmente afetado pela decisão do mandamus. É o que se pode inferir dos seguintes excertos:
A propósito, observamos que, nas impetrações em que há beneficiários do ato ou contrato impugnado, esses beneficiários são litisconsortes necessários, que devem integrar a lide, sob pena de nulidade do processo (grifo nosso) (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 26. ed. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 66.).
É litisconsorte passivo necessário aquele a quem afeta a concessão da segurança (STF-RTJ 64/277; 82/618; RSTJ 45/504; STJ - 3ª Turma, RMS 1340-RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 17.12.91, DJU 24.2.92, p. 1867).
Viola lei federal o aresto proferido em mandado de segurança no qual não se convocou à relação jurídica processual o litisconsorte necessário. Dá-se o litisconsórcio necessário na via do mandamus quando este importar em modificação da posição de quem juridicamente beneficiado pelo ato impugnado. Na ocorrência de litisconsórcio necessário, a citação independe de requerimento da parte, impondo-se sua determinação mesmo de ofício (Just. 153/184). No mesmo sentido: STJ - 3ª Turma, RMS 597-SC, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 4.12.90, DJU 4.2.91, p. 573).
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA CITAÇÃO DOS LITISCONSORTES. ANULAÇÃO. I - Evidente a necessidade de que os demais participantes do concurso sejam citados para integrar a lide, posto que a concessão da segurança implicará necessariamente na invasão da esfera jurídica destes. Litisconsórcio necessário. (Precedentes). II – Não tendo sido ordenado pelo juiz que os autores promovessem a citação dos litisconsortes passivos necessários, deveria o Tribunal a quo ter anulado os atos processuais para que, retornando os autos à primeira instância, fosse cumprida a exigência posta no art. 47, parágrafo único do CPC. (Precedentes). Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, provido. (Processo REsp 472403 / ES ; RECURSO ESPECIAL. 2002/0129826-1. Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109). Órgão Julgador. T5 - QUINTA TURMA. Data do Julgamento. 08/04/2003. Data da Publicação/Fonte. DJ 02.06.2003 p. 333).
Súmula 145 do TFR - "Extingue-se o processo de mandado de segurança, se o autor não promover, no prazo assinado, a citação do litisconsorte necessário".

3) PEDIDO

Ante o exposto, requer a V. Exa.:
1) seja concedida a liminar inaudita altera parte para o fim de ser determinado à autoridade coatora, o Comandante Geral da Polícia Militar do ES, que o impetrante possa realizar novo exame físico (corrida de 3200 metros), a ser aplicado pela Comissão Permanente de Aplicação de Exames Físicos da PMES, sob pena de a autoridade coatora, não o fazendo, incorrer em desobediência e nas sanções previstas no art. 14, parágrafo único do CPC;
2) Em não sendo acolhido o pedido anterior, que seja concedida a liminar audiatur et altera pars para o fim de ser determinado à autoridade coatora que o impetrante possa realizar novo exame físico (corrida de 3200 metros), a ser aplicado pela Comissão Permanente de Aplicação de Exames Físicos da PMES, sob pena de, não o fazendo, incorrer em desobediência e nas sanções definidas no art. 14, parágrafo único do CPC;
3) Oficie-se à autoridade coatora para o fim de prestar as informações no prazo de 10 dias, ex vi do disposto no art. 7º da Lei n. 1533/51;
4) Intime-se o Representante do Ministério Público para fins de intervenção no feito, como custos iuris, na forma do art. 10º da Lei n. 1533/51;
5) A citação ou, caso entenda V. Exa, a notificação do Capitão J.G.F., litisconsorte passivo necessário, para, querendo, no prazo legal, manifestar-se no feito;
6) No mérito, seja confirmada a liminar em todos os seus termos, julgando-se integralmente procedente o pedido, concedendo-se, em definitivo, a segurança liminarmente pleiteada.
Dá-se à causa o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais)
Nestes termos, pede deferimento.
Vila Velha, ES, 7 de agosto de 2006.
Dr. Daniel Roberto Hertel
OABES 10144

http://jus.uol.com.br/revista/texto/16856/reprovacao-em-teste-de-aptidao-fisica-por-motivo-de-doenca